segunda-feira, junho 14, 2004

{ considerações sobre saudade }

A saudade que mais incomoda, entre todos e todos os vários tipos de saudade, é a saudade da vida. Pode ser entendida também como nostalgia, mas a nostalgia pura não envolve angústia. É ver a vida passando sem poder fazer nada para detê-la, é vê-la fugir do controle sem ir pelo caminho que julguei ser o melhor. Achar que nenhum momento vai ser tão mágico como aquele, que a sensação que tive um dia nunca mais vai ser do mesmo jeito; quem sabe na mesma intensidade, com o mesmo entusiasmo, mas nunca igual. E, se não é igual, nunca vai ser tão boa.

Ter medo de parar um dia, pensar se valeu a pena e chegar à triste conclusão de que não valeu; que a vida foi mal aproveitada e os bons momentos não foram devidamente valorizados... é ter vontade de gritar. Expressar o desespero com a força da voz, com a ilusão de que o grito vai reaver o momento bom que um dia foi real.

Invejar os que tiveram por ventura os bons momentos prolongados, ou até mesmo aqueles que não têm saudade desses bons momentos, que conseguiram vencer a miopia e ver além do que está estampado. Invejar os que conseguem fazer da saudade, esperança. Da angústia, esperança. E dos sonhos... esperança.

Invejo também os que confiam no destino. Os que conseguem tirar das próprias costas o fardo de sempre fazer acontecer. Os que têm a sorte de ganhar sua simpatia pelo simples fato de confiar nele, e ter assim sempre novos bons momentos para suprir a saudade. Embora eu me questione se esses bem-aventurados não sofram com a discrepância de qualidade entre uma e outra coisa...

Saudade nunca teria existido se nunca houvessem existido pessoas. E pessoas, levianas simplesmente por serem pessoas, associam saudade a amor. Confundem saudade e amor. Ela se torna, então, algo que não se diz, por medo de ser erroneamente confundida com o que de fato não se diz.

Momentos invariável e involuntariamente envolvem pessoas. E pessoas, por sua vez, marcam. Tato – nada marca mais profundamente do que o toque. Se não na pele propriamente dita, as pessoas marcam a memória, o pensamento, a parte de uma vida. Marcam com palavras, marcam com cheiros, gostos, sensações. Mas, muitas vezes, a memória se perde no vazio do cotidiano e acaba por falhar quando mais precisamos nos aconchegar nelas. Some o cheiro, frases já não são mais completas; só passam uma idéia. A precisão de cada palavra, a ordem de cada feito se perde. Então, nos vemos presos num ciclo cruel de que precisamos de novos bons momentos, mas que nunca serão tão especiais quanto os já vividos – ainda que bons.

Embora eu tenha certeza de que a arte é quem imita a vida, pois a fantasia não chega aos pés do real, fantasiar pode ser um modo eficiente de não perder a esperança – ou de se perder do chão. Quem sonha demais pode acabar tomado pela loucura e desilusão, mas, por outro lado, quem não sonha, não espera...

Pode estar implícito nessa saudade martirizante um quê de arrependimento, até mesmo de culpa. Por que não fiz o que queria (embora esse não seja muito o meu caso, peco pela inconseqüência...), não falei o que sentia (... e então peco pela covardia.), não implorei aos deuses ou às forças que movem o universo para que o tempo não corra, que o dia não amanheça.

Curar a saudade é como curar gripe. Há remédios para os sintomas, mas para o mal... só o corpo tem o necessário. Ou seja, viver esperando... com a cautela para não esperar por algo que está aí – ou que já passou. Concordando plenamente com Miguel Falabella: “saudade é basicamente não saber”.



--> é por isso que eu tenho medo de envelhecer... medo de viver de lembranças.




“Deixe-me contar-lhe um segredo, algo que não lhe ensinam no templo. Os Deuses nos invejam. Eles nos invejam porque somos mortais, porque qualquer momento pode ser o último. Tudo é mais bonito porque somos predestinados. Você nunca será mais bela do que é hoje. Nunca estaremos aqui de novo.”

Achilles - Tróia
--> Esse aí confiava no destino. Vai ver é por isso virou imortal...


Miguel Falabella (numa visão mais ampla da saudade):

“Em alguma outra vida, devemos ter feito algo de muito grave, para sentirmos tanta saudade...
Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem.
Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam-se onde.
Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.
Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber.
Não saber mais se ela continua fungando num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre ocupada, se ele tem assistido às aulas de inglês, se aprendeu a entrar na Internet e encontrar a página do Diário Oficial, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua preferindo Skol, se ela continua preferindo suco, se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados, se ele continua cantando tão bem, se ela continua adorando o Mc Donald's, se ele continua amando, se ela continua a chorar até nas comédias.
Saudade é não saber mesmo!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer.”

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